Lendo Hitchcock

Aqueles que conhecem a filmografia de Alfred Hitchcock sabem que ele era também um grande leitor. Muitos dos seus filmes baseiam-se em livros de suspense, incluindo “Psicose” (Psycho de Robert Bloch), “Um corpo que cai” (D’entre les morts de Pierre Boileau e Thomas Narcejac) e “Rebecca”, baseado na obra homônima de Daphne Du Maurier, vencedor do Oscar de melhor filme em 1941. Rebecca: a mulher inesquecível é um dos meus livros favoritos e então decidi seguir mais uma indicação de Hitchcock: Os 39 degraus, do escritor escocês John Buchan, publicado em 1915 e adaptado em 1935.

Richard Hannay é o protagonista desse clássico thriller. De volta à City londrina há três meses, após viajar pelo mundo, o aristocrata está sedento por uma nova aventura:

“Ali estava eu, trinta e sete anos de idade, firme e forte, com dinheiro suficiente para passar muito bem, bocejando até não poder mais o dia todo. Estava prestes a me aprontar e retornar para a savana, pois era o sujeito mais entediado do Reino Unido.” (p.10)

O que Hannay não esperava é que em pouco tempo estaria envolvido em uma trama de espionagem internacional que poderia custar sua vida. Tudo começa quando o vizinho do último andar aparece em sua porta solicitando ajuda. Transtornado, o homem chamado Franklin P. Scudder revela que um grupo de anarquistas planeja assassinar o influente político Constantine Karolides durante sua visita à Inglaterra, no dia 15 de junho. Perseguido desde que descobrira o plano, Scudder simula sua própria morte e pede que Hannay o ajude a salvar Karolides e assim evitar um conflito mundial:

“Ele é o sujeito que arruinou todas as jogadas deles. É a única grande figura de toda a trama, e, além disso, é um homem honesto. Por essa razão foi acossado nos últimos doze meses. Foi o que eu descobri – e não foi grande coisa, pois qualquer tolo chegaria a essa conclusão. Mas tive conhecimento do modo como iriam apanhá-lo, e esta informação era fatal. É por isso que eu precisei morrer.” (p.15)

O interesse pelo caso faz com que Hannay abrigue Scudder em seu apartamento. Nos dias seguintes, ele descobre um pouco mais sobre o plano que envolve uma organização chamada Pedra Negra e um homem que sibilava enquanto falava. Em uma noite, porém, após voltar de um jantar, Hannay encontra Scudder morto com uma facada. A narrativa fica mais ágil a partir da fuga dele, que passa a ser perseguido pelos inimigos de Scudder e pela polícia, que acredita que ele tenha matado o vizinho, divulgando seu nome nos jornais no que ficou conhecido como o assassinato de Portland Place.

Hannay é uma mistura de espião, detetive e homem de ação que durante sua fuga para a Escócia (sua terra natal) encontra figuras misteriosas e pitorescas, apresentadas por Buchan em cada um dos capítulos: o arqueólogo com olhar de rapina, o político que não sabia discursar e o hospedeiro que gostava de literatura. O protagonista passa de um aristocrata em busca de emoção a alguém que com astúcia e criatividade é capaz de desvendar códigos, criar disfarces, descobrir o significado dos 39 degraus mencionados diversas vezes na caderneta de Scudder e intervir no plano. Ele mesmo percebe tal mudança:

“Ao me sentar na encosta da colina, observando a minguante réstia de luz, refleti sobre os vários tipos de crime que experimentara. Ao contrário da crença geral, eu não era um assassino, mas me tornara um mentiroso descarado, um impostor desavergonhado e um bandoleiro com acentuado gosto por automóveis caros.” (p. 74)

John Buchan, além de escritor, trabalhou para o governo britânico fazendo propaganda de guerra, o que lhe serviu de inspiração para criar uma obra que reproduzia um pouco do clima de tensão entre ingleses e alemães. E o conflito mundial que Hannay tentava evitar, era real na época em que o livro estava sendo escrito: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Tanto a obra original quanto a adaptação feita pelo mestre do suspense (apesar das diferenças entre elas) rendem entretenimento de primeira, especialmente para aqueles que são fãs de espionagem e ação. Para os que desejarem mais, Richard Hannay protagonizou outros quatro livros de Buchan.

39 degraus

Os 39 degraus
The thirty-nine steps
John Buchan
São Paulo: Tordesilhas, 2011.
150 páginas

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