Conhece a história? Tem muito mais!

Assim como O médico e o monstro de Stevenson, a clássica obra do escritor Johann Wolfgang Goethe — Os sofrimentos do jovem Werther —, apesar de ter sua trama propagada aos quatro ventos por séculos, ainda é capaz de nos surpreender durante sua leitura. Publicada em 1774, a primeira obra do escritor alemão é uma das mais trágicas histórias de amor da literatura mundial e, segundo o crítico Walter Benjamim, “o maior sucesso literário de todos os tempos”.

O êxito do livro foi tão grande que um ano após ser publicado, ele já estava em sua décima edição, ganhando traduções para o francês e o inglês e alcançando repercussão internacional. Ao mesmo tempo surgiam produtos como a água de colônia Werther e leques e porcelanas ilustrados com cenas do livro; o personagem tornou-se também um modelo entre os jovens, que passaram a imitar sua vestimenta: colete amarelo, casaca azul e botas. Mas não foi só isso que parece ter virado moda entre a juventude europeia, ao livro foi atribuído o grande número de suicídios no período, o que fez com que fosse banido em muitos países.

Não houve nenhuma comprovação ligando os suicídios à obra de Goethe. Na época somente um caso ficou conhecido, o de um rapaz que carregava um exemplar do livro em seu bolso quando foi encontrado morto. No entanto, a discussão foi tamanha que se tornou objeto de estudo, sendo que em 1974, o sociólogo David Phillips deu o nome de “Efeito Werther” à imitação do comportamento suicida. Por causa disso, em 2001, a Organização Mundial da Saúde publicou diretrizes para a abordagem do assunto na mídia.

De volta ao enredo, Werther é um jovem burguês que, durante sua estadia na aldeia fictícia de Wahlheim, conhece Carlota (Charlotte/Lotte, dependendo da tradução), por quem se apaixona perdidamente. A moça, porém, deve se casar em breve com Alberto, que tivera que viajar por causa da morte do pai. Sensível e egocêntrico, Werther relata o tormento que vive por causa desse amor não correspondido ao amigo Guilherme, por meio de cartas, em que deixa claro sua angústia, desespero e desilusão crescentes.

Goethe encontrou na narrativa epistolar a maneira para que seu protagonista pudesse expressar seus sentimentos de maneira mais vívida. E é por meio de Guilherme que ele se dirige também ao leitor, tornando-o íntimo de Werther. O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira compreende as cartas enviadas no período de 4 de maio a 10 de setembro de 1771, cujo foco é a paixão crescente de Werther por Carlota S., inspirada na própria vida de Goethe, que anos antes havia se apaixonado por Charlotte Buff, noiva de seu amigo Johann Christian Kestner. No dia 16 de junho, em uma das cartas mais longas, Werther conta com detalhes ao amigo sobre o dia em que conheceu Carlota:

“Contar-te, respeitando a ordem dos acontecimentos, como cheguei a conhecer uma das criaturas mais adoráveis do mundo, seria muito difícil. Estou feliz e satisfeito, logo, incapaz de ser um bom historiador. Um anjo! Arre! Mas isso qualquer um diz da sua, não é verdade? De qualquer forma, não sou capaz de dizer o quanto ela é perfeita, nem de onde vem sua perfeição. Basta dizer que ela dominou completamente o meu ser”. (p. 30)

A segunda parte tem como inspiração outro fato, a morte de um jurista, conhecido de Goethe, Karl Wilhelm Jerusalem, que se matou em 1772, devido a um amor não correspondido por uma mulher casada. Nesta parte, as cartas datam de 20 de outubro de 1771 a 6 de dezembro de 1772. O tema social é o mais presente aqui, mostrando a desilusão de Werther com sua vida, e sua dificuldade em se encaixar na sociedade. O que ele percebe também na forma como é tratado pelos outros:

“Ele faz mais caso do meu espírito e do meu talento do que deste coração que é meu único orgulho, a única e solitária fonte de tudo, de toda a energia, de toda a ventura e de toda a desgraça. Ah, o que eu sei, toda a gente o pode saber! Mas o meu coração só a mim pertence…”. (p. 112)

Por fim, a última parte intitulada “O editor ao leitor” traz o relato do amigo Guilherme — responsável pela reunião e publicação de toda a correspondência — sobre os acontecimentos que ficaram de fora das cartas de Werther.

Alçada à obra representante do Romantismo, Os sofrimentos do jovem Werther sempre obteve destaque pela tragédia amorosa de seu protagonista, o que não deixa de ser uma injustiça, pois na época ela significou para aqueles jovens europeus muito mais que a exaltação do sentimento amoroso. Eles encontraram em Werther, a identificação com os seus sentimentos, que assim como o protagonista, se viam incapazes de se inserir em uma sociedade empobrecida de valores e de espírito.

O livro expressava as ideias do movimento Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto na tradução para o português), baseadas nos ideais libertários de Rousseau e em contraposição à razão propagada pelo classicismo, com a expressão das emoções e dos sentimentos, assim como a exaltação à natureza.  No romance, somos constantemente lembrados por Werther de que o que guia ele é o coração:

“O jardim é simples, e logo à entrada a gente sente que seu esboço não foi elaborado por um jardineiro que domina a ciência, mas por um coração sensível, que ali queria deleitar-se e gozar-se a si mesmo. Alguma lágrima já consagrei a sua memória, num pavilhão arruinado que foi o seu lugarejo favorito e hoje é também o meu. Em breve serei senhor do jardim; o jardineiro já simpatizava comigo tão-só pela convivência destes poucos dias e não achará mal se eu ficar por ali em definitivo”. (p. 14)

Não há como não ser atraída para o universo de Werther durante a leitura e ao mesmo tempo, voltar-se para dentro de si e refletir sobre questões como liberdade, julgamento e vida. Como diz Werther: “Meto-me dentro de mim mesmo e acho aí um mundo!“ Há várias camadas nesta obra de Goethe, como as referências bíblicas e a autores clássicos; a mudança do temperamento de Werther conforme a natureza etc. Para quem tiver interesse, em Labirintos da aprendizagem, de Marcus Vinícius Mazzari, há um capítulo que lança um pouco de luz sobre esses outros pontos.

Os sofrimentos do jovem Werther
Die Leiden des jungen Werthers
Johann Wolfgang Goethe
Porto Alegre: L&PM Editores, 2001.
Tradução: Marcelo Backes
206 páginas

Por mais que não haja algo que associe diretamente a obra a suicídios, fica a recomendação para que pessoas altamente sensíveis ou que estejam em um momento da vida delicado deixem a leitura para outra oportunidade, porque algumas passagens podem funcionar como gatilhos.