Reajustando a rota

Assim que entramos em um novo ano sempre vem a ideia de estarmos diante de inúmeras possibilidades, com energia e esperança renovadas para realizar sonhos, cumprir objetivos e ter um ano melhor. Só que muitas vezes, precisamos reajustar a rota para não repetirmos o que não deu certo e conseguirmos chegar onde queremos.

No caso das minhas metas literárias, 2023 foi um ano em que li menos do que eu gostaria. Consegui cumprir meus projetos literários, é verdade, especialmente aqueles que compartilhei com amigas, mas ainda assim, queria ter diminuído um pouco mais a pilha dos não lidos.

Por isso, neste ano, decidi voltar aos desafios literários para conseguir tirar da estante alguns autores que ainda não consegui ler. Somente três deles, Henry James, Maurício de Sousa (no caso dos gibis) e Camões eu já li, mas os demais serão inéditos para mim.

Acredito que além de expandir o repertório de leituras, o desafio literário serve como uma chance de conhecermos novos autores ou explorarmos gêneros literários que não fazem parte do nosso cotidiano. Para 2024, escolhi o desafio literário do clube de leitura “O narrador”. São 12 livros, um para cada mês do ano, listados abaixo com as minhas escolhas.

  1. Um calhamaço
    As correções – Jonathan Franzen
    Aqui vale dizer que para mim qualquer livro com mais de 500 páginas já entra nessa categoria. Esse do Franzen tem 586 páginas.
  2. Um clássico, pelo menos
    O romance de Genji 1 – Murasaki Shikibu
    Considerado o primeiro romance japonês.
  3. Uma epopeia
    Os lusíadas – Luís de Camões
  4. Um livro em outro idioma
    El club Dumas – Arturo Pérez-Reverte
  5. Um livro de poesia
    O livro das semelhanças – Ana Martins Marques
  6. Um livro de contos
    Até o último fantasma – Henry James
  7. Uma obra da literatura oriental
    O romance de Genji 2 – Murasaki Shikibu
  8. Uma graphic novel
    Solitário – Chabouté
  9. Uma peça de teatro
    Seis personagens à procura de autor –  Luigi Pirandello
  10. Um livro encalhado na estante
    O mestre e Margarida – Mikhail Bulgákov
  11. Uma biografia
    A história que não está no gibi – Mauricio de Sousa
  12. Um livro que te intimida
    Um defeito de cor – Ana Maria Gonçalves

Para quem quiser participar do desafio, o Instagram do clube é  @onarradorclubedeleitura

Há exatos sete anos, comecei este blog, que continua sendo um lugar em que tenho prazer de encontrar outros leitores e amigos. Agradeço a cada um que tem me acompanhado seja nos longos trajetos ou durante um pequeno percurso. A companhia é sempre bem-vinda.

Desejo que 2024 leve todos aos destinos sonhados e que a jornada seja leve, enriquecedora e prazerosa. Boas leituras!

Umberto Eco oferece o que cada leitor procura

Não é qualquer escritor que consegue a proeza de agradar, ao mesmo tempo, o leitor que busca saber apenas como o enredo termina, e o leitor que quer entender como aquilo que acontece foi narrado. O italiano Umberto Eco provou que isso é possível em seu primeiro romance, O nome da rosa. Publicado em 1980, o livro foi aclamado pela crítica e também se tornou um best-seller, ganhando traduções para diversos idiomas e uma adaptação para o cinema em 1986, com Sean Connery no papel principal.

A história começa como um romance policial, com um mistério envolvendo monges assassinados em uma abadia de algum lugar da Itália. No entanto, há outras camadas ao longo da narrativa. Eco, formado em Literatura e Filosofia Medieval, além de ser um renomado professor de Semiótica, fez com que a obra ganhasse um aprofundamento tanto do ponto de vista histórico/filosófico quanto linguístico.

O autor escolheu contar a história por meio de um vivente da época, no caso, um dos protagonistas, o noviço beneditino Adso. Aliás, é de um convento em Melk, quando já está com 80 anos, que Adso escreve seu manuscrito, contando o que ocorrera naqueles sete dias de novembro de 1327 – quando ele tinha 18 anos –, em uma abadia da qual ele julgou prudente não revelar o nome.

No entanto, Eco aproveita-se da ideia de que “os livros falam sempre de outros livros, e cada história conta uma história já contada” para criar escalas na narração, na qual Adso é o primeiro narrador – que escreve no final do século XIV. O manuscrito de Adso será encontrado no século XVII, servindo de base para o texto de Mabillon, que por sua vez sustentará o livro do abade Vallet, de 1842, que chegará finalmente a Eco, que nos conta a história em 1980.

Adso de Melk é discípulo e escriba do frei Guilherme de Baskerville (se veio à sua mente o famoso personagem de Conan Doyle, não é mero acaso) e vai ajudar o frei em sua dupla missão: desvendar o mistério que envolve a abadia e cuidar de um encontro que reunirá dois lados opostos da Igreja, os franciscanos e o alto clero ligado ao papa.

Na verdade, essa cisão era muito mais complexa. De um lado estava o imperador Ludovico, excomungado pelo papa, que queria trazer de volta a Roma a sede apostólica. Do outro estava o papa João XXII, acusado de herege, que estava em Avignon desde que o papa anterior, Clemente V, mudara a sede apostólica para a França. Enquanto os franciscanos estavam do lado do imperador e defendiam a pobreza de Cristo, o clero queria justificar seu poder e riqueza apoiando o papa. Eco introduz personagens reais como Miguel de Cesena, Ubertino de Casale e Bernardo Gui para explicar como se davam os posicionamentos e a disputa de poder na época.

Voltando ao enredo, o abade Abão pede ao frei de origem inglesa, conhecido por sua mente brilhante, para descobrir quem foi o responsável pela morte do miniaturista, Adelmo de Otranto. Ao longo da semana, porém, outros assassinatos ocorrem, seguindo uma ordem que remete às trombetas do Apocalipse. Durante a investigação, Guilherme percebe que a abadia é envolta por muitos segredos, entre os quais a relação dos monges com mulheres da cidade e entre eles mesmos.

A biblioteca da abadia, considerada a maior da cristandade, também esconde mistérios e é nela que se concentra toda a ação. Construída como se fosse um labirinto, a biblioteca só é acessada por três pessoas: o abade, o bibliotecário Malaquias e o seu assistente, Berengário, que a protegem de tudo e de todos. Na justificativa do abade:

“Se por séculos e séculos todos tivessem podido tocar livremente os nossos códices, a maior parte deles já não existiria. O bibliotecário, portanto, defende-os não só dos homens, mas também da natureza, e dedica a vida a essa guerra contra as forças do esquecimento, inimigo da verdade.
– Quer dizer que ninguém, salvo duas pessoas, entra no último andar do Edifício…
O abade sorriu:
– Ninguém deve. Ninguém pode. Ninguém, querendo, conseguiria. A biblioteca defende-se sozinha, insondável como a verdade que abriga, enganadora como a mentira que guarda. Labirinto espiritual, é também labirinto terreno. Poderíeis entrar e poderíeis não sair. E, dito isto, quisera que vos adequásseis às regras da abadia”. (p. 71)

Mesmo assim, Guilherme e Adso conseguem entrar na biblioteca e vão aos poucos desvendando os inúmeros símbolos marcados em suas paredes. A semiótica ganha espaço na elucidação, da qual Eco utiliza-se para apontar alguns exemplos de índices (as marcas pretas nos dedos das vítimas), signos (a frase-chave escrita na parede), simulacros (as profecias do Apocalipse), fazendo com que o leitor, incitado pelas palavras de Guilherme, reflita sobre a própria construção linguística:

“Nem sempre uma marca tem a mesma forma do corpo que a imprimiu e nem sempre nasce da pressão de um corpo. Às vezes reproduz a impressão que um corpo deixou em nossa mente, é a marca impressa de uma ideia. A ideia é signo das coisas, e a imagem é signo da ideia, signo de um signo. Mas da imagem, se não reconstruo o corpo, reconstruo a ideia que outrem tinha dela”. (p. 354)

Da mesma forma, acompanhando as discussões entre Guilherme, Adso e outros monges, o leitor se vê diante de várias questões filosóficas, que tratam desde o riso, a verdade, o amor, a luxúria, passando pela visão da mulher como “vaso do demônio”, até as ideias de Roger Bacon (de quem Guilherme é fã, mencionando-o diversas vezes), Aristóteles, São Francisco de Assis, Ockham e São Tomás de Aquino. Mas em meio a tantos temas abordados, há um que se destaca: livros. Eco justifica a importância dos livros ao mesmo tempo em que põe em dúvida o que ele revela:

“Os livros não são feitos para acreditarmos neles, mas para serem submetidos a investigações. Diante de um livro não devemos nos perguntar o que diz, mas o que quer dizer, ideia que para os velhos comentadores dos livros sagrados foi claríssima”. (p. 353)

Esta edição que eu li de O nome da rosa, além da tradução da maior parte dos termos em latim, traz o pós-escrito de 1983, que também pode ser encontrado avulso. Recomendo sua leitura, não porque fará uma interpretação do romance – afinal Eco defende que se o fizesse, não haveria porque escrevê-lo, uma vez que é função da obra gerar interpretações –, mas porque nele o autor revela o seu processo de produção. Segundo ele, sua motivação para escrever o livro veio de uma ideia: “a vontade de envenenar um monge”.

Lendo o pós-escrito, percebemos a maestria com que a narrativa foi desenvolvida por Eco. De estudos de métodos de envenenamento à leitura dos cronistas medievais – com o intuito de saber a maneira como eles contavam uma história para que, ao lermos, realmente nos parecesse um texto produzido na Idade Média e não somente um texto sobre ela –, cada detalhe é pensado. Só a construção do labirinto levou três meses, afirmou o autor. Em uma entrevista, ele revelou que escreveu o romance em dois anos, mas se fosse contar o tempo de pesquisa, foram mais de 30 anos.

Eco não subestima seu leitor, só dá o caminho, mesmo que labiríntico, para chegar a uma interpretação:

“O bem de um livro está em ser lido. Um livro é feito de signos que falam de outros signos que, por sua vez, falam das coisas. Sem um olho que o leia, um livro traz signos que não produzem conceitos, portanto é mudo.”. (p. 433)

Para os leitores que se prenderam mais à trama policial, Umberto Eco mantém até final o suspense, e entrega um desfecho impressionante. Para aqueles que se viram envolvidos com todas as discussões, a leitura trará muitos questionamentos sobre as diversas faces da verdade, o que o homem está disposto a fazer para fazer prevalecer sua verdade, o saber como sinônimo de poder, o significado mutável dos signos. Quer dizer, esses foram alguns questionamentos surgidos para mim durante a minha leitura, mas com a profusão de assuntos discutidos na obra, certamente haverá leituras diferentes por parte de outros leitores. Qual é a sua leitura?


O nome da rosa
Il nome della rosa
Umberto Eco
Rio de Janeiro: Record, 2018.
Tradução: Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade.
590 páginas

A construção do sentido pelas palavras

Ao ler as primeiras páginas de Léxico familiar, da escritora italiana Natalia Ginzburg, acho difícil alguém não pensar em sua própria história e, consequentemente, nas palavras que, repetidas no convívio familiar, transformaram-se também em marcas das pessoas ou de uma época. Como Alejandro Zambra escreve no belo prefácio do livro “é impossível lê-lo sem imaginar este outro livro próprio que ainda não existe, mas que deveríamos, por pura gratidão, escrever”.

Penso que Zambra fez seu agradecimento com seu Formas de voltar para casa (tem post aqui), e de maneira explícita, já que cita em um dos capítulos da obra a frase inicial de Léxico familiar: “Neste livro, lugares, fatos e pessoas são reais. Não inventei nada: e toda vez que, nas pegadas do meu velho costume de romancista, inventava, logo me sentia impelida a destruir tudo o que inventara”. Esse trecho faz parte da advertência que a autora dá a seus leitores, sugerindo-lhes que leiam o livro como um romance: 

“Escrevi apenas aquilo de que me lembrava. Por isso, se este livro for lido como uma crônica, será possível objetar que apresenta infinitas lacunas. Embora extraído da realidade, acho que deva ser lido como se fosse um romance: ou seja, sem exigir dele nada a mais, ou a menos, do que um romance pode oferecer”. (p. 15)

Publicada em 1963, Léxico familiar é considerada a obra-prima de Natalia Ginzburg, que recebeu por ela o mais importante prêmio literário da Itália, o Strega. O enredo trata do cotidiano da família Levi, entre os anos 30 e 40, durante a ascensão fascista e os primórdios da Segunda Guerra Mundial. Vivendo no norte da Itália, na maior parte do tempo em Turim, Natalia relata esses anos sombrios sob a perspectiva dos relacionamentos familiares e de amizade. Ela era a caçula do clã, do qual faziam parte o pai Giuseppe — Beppino para os íntimos —, a mãe Lídia e os irmãos Gino, Mário, Alberto e Paola. Aliás, são eles os reais protagonistas, uma vez que a própria Natália fala muito pouco de si.

Não há como negar que a palavra é primordial para a construção de qualquer narrativa escrita (já que há aquelas feitas só de imagens); só que neste livro de Ginzburg, mais do que um meio de expressão, as palavras foram o ponto de partida. São os vocábulos e frases que fazem parte do cotidiano dos Levi que Natalia reúne para estruturar sua história, repetindo-os ao longo da trama, fazendo deles não só uma forma de distinguir seus falantes ou um período, mas como representação e até mesmo código. Por exemplo, quando um dos irmãos estava foragido, para dizer à família que estava bem, ele mandou um bilhete contendo palavras que eles logo reconheceram como sendo dele: “aos meus amigos vegetais e minerais”.

A mãe era conhecida por declamar a todo instante o trecho de uma ópera: “Eu sou dom Carlos Tadri/ Sou estudante em Madri!”, ou pela frase: “Quando meus filhos estão de roupa nova, gosto deles mais ainda”, mas, sem dúvida, é ao pai que pertence o maior repertório de frases e termos idiossincráticos. Para Beppino, as palavras assumiam outros significados: burro não era alguém ignorante, mas sim quem cometia indelicadezas ou grosserias; farolagem queria dizer segredo; emplastro, desleixado. Além disso, enquanto a mãe tinha uma fala alegre e otimista; o pai costumava gritar, sempre irritadiço, reclamando das parvoíces dos filhos ou da “falta de vida interior” quando ninguém demonstrava interesse por algo que ele gostava. Natalia busca esses momentos e monta o dicionário de sua família ao longo da trama:

“As amigas de minha mãe, na linguagem de meu pai, eram chamadas de ‘as babas’. Quando se aproximava a hora do jantar, de seu escritório, meu pai berrava a plenos pulmões: — Lídia! As babas já foram embora? — Via-se então a última baba, apavorada, esgueirar-se pelo corredor e escafeder-se porta afora; as jovens amigas de minha mãe morriam todas de medo de meu pai. No jantar, meu pai dizia à minha mãe: — Você não se cansa de babar? Não cansa de fofocar?” (p. 27)

À medida que avançamos a leitura, tornamo-nos parte desse convívio, conhecedores de cada frase repetida, o que faz com que nos sintamos mais íntimos dessa família. Da mesma forma, não é difícil reconhecermos que muitas dessas frases também fazem parte da nossa vida familiar: “Eu já ouvi isso mais de mil vezes!” ou situações em que a reclamação se torna um hábito, mesmo que seja infundada:

“— É bom esse romance, Beppino? — perguntava minha mãe. — Que nada! Uma chatice! Uma parvoíce! — respondia, dando de ombros. Lia, porém, com a mais viva atenção; e enquanto isso fumava o cachimbo, e sacudia a cinza da página. Quando voltava de alguma viagem, sempre trazia consigo romances policiais, comprados nas bancas das estações; e terminava de lê-los em seu escritório, de noite. Habitualmente, eram em inglês ou alemão: parecendo-lhe talvez menos frívolo ler esses romances numa língua estrangeira. — Uma parvoíce — dizia, dando de ombros; e, no entanto, lia até a última linha”. (p. 72)

Percebemos, aliás, que o léxico afetivo não está ligado somente à construção, mas à conexão e à memória, como diz Natalia:

“Somos cinco irmãos. Moramos em cidades diferentes, alguns de nós estão no exterior: e não nos correspondemos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser, um com o outro, indiferentes ou distraídos. Mas, entre nós, basta uma palavra. Basta uma palavra, uma frase: uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo da nossa infância. Basta-nos dizer: ‘Não viemos a Bergamo para nos divertir’ ou ‘Do que é que o ácido sulfídrico tem cheiro’, para restabelecer de imediato nossas antigas relações, nossa infância e juventude, ligadas indissoluvelmente a essas frases, a essas palavras. Uma dessas frases ou palavras faria com que nós, irmãos, reconhecêssemos uns aos outros na escuridão de uma gruta, entre milhões de pessoas”. (p. 37)

Apesar do toque de humor melancólico que percorre a narrativa, sabemos que a história de Ginzburg tem como pano de fundo um período triste, marcado pela separação e pela perda de entes queridos. Sem dramatizar, a autora faz com que a guerra esteja presente o tempo todo no romance, assim como a ameaça fascista; como ela não narra de forma ostensiva, tais eventos são notados pelos sentimentos dos personagens, assim como pelo rompimento da normalidade denunciado pela inclusão de palavras no cotidiano:

“Em nossa casa, novas palavras tinham entrado: — Não se pode convidar Salvatorelli! É comprometedor! — dizíamos. — Não se pode ter este livro em casa! Pode ser comprometedor! Podem fazer uma busca! — E, Paola dizia que nosso portão era ‘vigiado’, e que um sujeito de impermeável estava sempre lá, parado, e que sentia estar sendo ‘seguida’ quando ia passear”. (p. 119)

Como eram judeus e socialistas, acompanhamos a resistência antifascista dos Levi durante a história, e percebemos que estamos diante de uma família cuja participação, mesmo que aparentemente discreta, foi fundamental, ao ajudar figuras históricas (há uma relação no final do livro sobre os personagens reais) que lutaram contra o regime.  Aos poucos percebemos a invasão do mal no dia a dia deles: a prisão dos membros da família, o desaparecimento de amigos, o clima de incerteza e opressão:

“Nós achávamos que a guerra iria virar e revirar imediatamente a vida de todos. Durante anos, ao contrário, muita gente permaneceu sem ser incomodada em sua casa, continuando a fazer o que sempre fizera. De repente, quando cada um já achava que no fundo se livrara por pouco e não haveria nenhum transtorno, nem casas destruídas, nem fugas ou perseguições, explodiram bombas e minas por toda parte e as casas desabaram, as ruas se encheram de ruínas, de soldados e de fugitivos. E não havia mais ninguém que pudesse fingir que nada estava acontecendo, fechar os olhos e tapar os ouvidos, enfiar a cabeça embaixo do travesseiro, não havia. Na Itália, a guerra foi assim”. (p. 163)

Entendo agora porque Natalia Ginzburg tem tantos fãs apaixonados por seu estilo único, que é capaz de revelar o que é íntimo, verdadeiro e literário em um simples arranjo das palavras.

Léxico familiar
Lessico famigliare
Natalia Ginzburg
Tradução: Homero Freitas de Andrade
São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
254 páginas

Pereira, prazer em conhecê-lo!

Não há como não gostar de Pereira. O personagem principal do livro Afirma Pereira, do escritor italiano Antonio Tabucchi, à primeira vista pode até parecer um tipo enfadonho; um sujeito que apenas faz o seu trabalho sem se deixar envolver pelo que acontece ao seu redor. Mas, ao chegarmos ao final, acabamos arrebatados por sua grandiosidade.

O cenário é Lisboa no verão de 1938. Pereira mora sozinho na Rua da Saudade. Viúvo há alguns anos, ainda mantém o hábito de contar como foi seu dia ao retrato da esposa. Não teve filhos, pois segundo ele, não havia como pedi-los àquela mulher frágil e sofredora com quem se casara. Solitário, Pereira divide seus dias entre a casa vazia, o trabalho e as refeições no Café Orquídea, onde sempre pede uma omelete com ervas e uma limonada com açúcar.

Durante 30 anos, Pereira foi repórter policial, mas agora é o responsável pela página de cultura do Lisboa, um jornal vespertino, apolítico, independente e com tendências católicas. A redação cultural se resume a ele, que passa os dias em uma minúscula sala longe da redação do jornal, traduzindo textos de algum escritor francês clássico dos séculos anteriores e produzindo outros sobre escritores já falecidos.

A morte, aliás, parece acompanhar a vida de Pereira. Seu pai era dono de uma funerária chamada “Pereira, a dolorosa”; sua esposa falecida durante toda a vida estivera doente; e seu médico alertou que se ele continuasse daquele jeito também não duraria muito. Talvez por tudo isso, nos últimos tempos, o tema da morte tornou-se quase uma obsessão para ele, assim como a questão da ressurreição da carne, que ele, mesmo sendo católico, relutava em aceitar:

“Na alma, sim, claro, porque tinha certeza de possuir uma alma; mas toda a sua carne, aquela gordura que cercava sua alma, pois bem, aquela não, aquela não voltaria a ressurgir, e além do mais, por quê?, perguntava-se Pereira. Toda aquela banha que o acompanhava diariamente, o suor, a falta de ar ao subir as escadas, por que haveriam de ressurgir? Não, Pereira não queria mais isso tudo, em outra vida, por toda a eternidade, e não queria acreditar na ressurreição da carne”. (p.13)

Quando vê publicada uma tese, que trazia uma reflexão sobre a morte, Pereira resolve entrar em contato com o seu autor: Francisco Monteiro Rossi. Logo que o conhece, Pereira oferece ao jovem filósofo recém-formado – mesmo após a confissão do próprio de que sua tese fora copiada – um emprego no caderno de cultura. A ideia de Pereira é de que Monteiro Rossi escrevesse os necrológios, espécie de homenagens fúnebres preparadas antecipadamente, para que não fosse preciso fazê-las de uma hora para outra quando algum escritor importante da época falecesse. Rossi aceita a proposta, e já pede um adiantamento salarial ao chefe. Quando Pereira explica a função de seu novo estagiário ao amigo padre, este questiona:

“Mas por que quer fazer um necrológio para ele, perguntou o padre António, pobre Mauriac, deixe-o viver, precisamos dele, por que quer que morra? Oh! não é isso, eu não quero, disse Pereira, espero que dure cem anos, mas suponhamos que de uma hora para outra ele viesse a falecer, em Portugal haveria pelo menos um jornal a fazer-lhe uma homenagem oportuna, e esse jornal seria o Lisboa, de qualquer forma desculpe, padre António, prossiga”. (p.109)

Os obituários entregues por Monteiro Rossi são sempre considerados impublicáveis, mas Pereira não só mantém os textos guardados em uma pasta como continua pagando o rapaz. Mesmo quando este desaparece por um tempo, as trocas são feitas por meio da namorada de Rossi, Marta. Aos poucos, o pacato Pereira se vê envolvido em uma trama misteriosa, que será responsável por várias mudanças em seu cotidiano.

Outra figura que contribuirá para a transformação do protagonista é o Doutor Cardoso, da clínica talassoterápica na qual Pereira fica por uma semana, devido a seus problemas cardíacos. Com uma teoria que fala sobre a pluralidade de várias almas dentro de uma pessoa, sob o controle de um eu hegemônico, o jovem médico tenta convencer Pereira a deixar o passado de lado:

“Pode acontecer, rebateu em tom brincalhão o doutor Cardoso, isso dependerá do eu hegemônico que levará a melhor na sua confederação de almas. E prosseguiu: vou dizer uma coisa, doutor Pereira, se o senhor quiser ajudar seu eu hegemônico que está dando as caras, talvez devesse ir para outro lugar, deixar este país, acho que terá menos conflitos com o senhor mesmo, no fundo o senhor pode fazer isso, é um profissional sério, fala bem francês, é viúvo, não tem filhos, o que o segura neste país? Uma vida passada, respondeu Pereira, a saudade […]”. (p.98)

Tabucchi retrata no livro um período conturbado para a humanidade, em que vários países da Europa eram controlados por regimes totalitários. No caso de Portugal, o Salazarismo, que durou de 1933 a 1974, aparece nos relatos, principalmente do garçom do Café Orquídea e do padre António, que tiram Pereira do alheamento em que ele vive. Há também algumas cenas que Pereira presencia, por exemplo, a agitação no mercado por causa do assassinato do carreteiro socialista que ocorrera lá no dia anterior, o ataque ao açougue kosher e a censura estabelecida no jornal. Evitarei falar mais para não dar nenhum spoiler.

Na nota introdutória, o autor fala sobre o surgimento do personagem, que ainda não se chamava Pereira e tinha só “a vontade de ser protagonista de um livro. Era apenas um personagem à procura de um autor” (p.7). A inspiração veio após Tabucchi ter ido ao velório de um velho jornalista que ele conhecera em Paris. Na época, o português estava exilado por causa de uma matéria que ele havia publicado contra o Governo de Salazar. Sobre a escolha do nome, o autor comenta:

“[…] disse a ele que voltasse novamente, que se abrisse comigo, que me contasse sua história. Ele voltou, e eu logo encontrei um nome para ele: Pereira. Em português, Pereira, como todos os nomes das árvores frutíferas, é um sobrenome de origem hebraica, assim como na Itália os sobrenomes de origem hebraica são nomes de cidades. Com isso, quis prestar uma homenagem a um povo que marcou largamente a civilização portuguesa e que foi vítima de grandes injustiças da História. Mas havia outro motivo, este de origem literária, que me impelia para esse nome: um pequeno entreato de Eliot intitulado ‘What about Pereira?’, em que duas amigas evocam, em seu diálogo, um misterioso português chamado Pereira, do qual nunca se saberá nada. Do meu Pereira, ao contrário, eu começava a saber muitas coisas”. (p.8)

Além de prestar homenagem ao amigo jornalista, Antonio Tabucchi mostra seu amor por Portugal nas belas descrições de Lisboa, e a admiração por diversos escritores por meio dos textos de Pereira:

“Então lembrou-se da rubrica ‘Efemérides’ e se pôs a escrever. ‘Há três anos desaparecia o grande poeta Fernando Pessoa. Era de cultura inglesa, mas decidira escrever em português porque afirmava que a sua pátria era a língua portuguesa. Deixou-nos belíssimas poesias dispersas em revistas e um poemeto, Mensagem, que é a história de Portugal na visão de um grande artista que amava a sua pátria.’” (p.33)

A mesmice na vida de Pereira é marcada pela repetitividade na narração; só que no meio dessas cenas cotidianas, alguns novos elementos vão surgindo: uma limonada sem açúcar, uma mudança no cardápio, uma frase no jornal e, por fim, uma atitude surpreendente. O “afirma Pereira”, destacado no título da obra, é também o registro de um depoimento, e ele permeia toda a narrativa, lembrando-nos sobre aquilo que Pereira realmente quer deixar claro.

Afirma Pereira é um livro sobre a necessidade de estarmos atentos ao mundo que nos cerca, da participação das pessoas para mudar a situação em tempos sombrios e da função social da literatura, sem em nenhum momento parecer panfletário. Em uma conversa com Monteiro Rossi, Pereira lembra de uma frase dita pelo seu tio:

“[…] A literatura parece só tratar de fantasias, mas talvez diga a verdade”. (p.30)

Afirma Pereira
Sostiene Pereira
Antonio Tabucchi
São Paulo: Estação Liberdade, 2020.
160 páginas
Esta edição é da TAG Curadoria

A resposta masculina para Ferrante?

Foi essa a dúvida que me levou a Laços, do escritor italiano Domenico Starnone. Publicado em 2014, eu ouvira comentários de que o livro era o contraponto masculino para o arrebatador Dias de abandono (2002), da Elena Ferrante (já tem post aqui). O tema da esposa abandonada, porém, não era a única coisa que ligava o autor à sua conterrânea; havia ainda o fato de ser casado com Anita Raja, tradutora que teve seu nome envolvido nas especulações sobre a real identidade de Ferrante. Parecia que os laços entre as duas obras eram mais fortes do que eu imaginara…

O enredo gira em torno de Aldo Minori, que conhecemos por diferentes vozes (dele mesmo, da esposa e da filha), e as consequências advindas com sua decisão de abandonar a família por causa de outra mulher. Enquanto na obra de Ferrante é somente Olga que relata seu drama em primeira pessoa, em Laços há três narradores responsáveis por cada uma das três partes que compõem o livro.

A narrativa da primeira parte é na forma de cartas, escritas pela esposa abandonada para o marido durante o período da separação (de 1974 a 1978). Sabemos pelo seu relato que Aldo, então com 34 anos de idade, deixara-a com os filhos Sandro e Anna (de 9 e 5 anos, respectivamente) em Nápoles, para viver em Roma com Lídia, uma estudante de 19 anos que ele conhecera enquanto lecionava na universidade. A trama começa com a tentativa de Vanda de entender o que acontecera ao marido e seu desespero para ter a família de volta:

“Conheço você, sei que é uma boa pessoa. Mas, por favor, assim que ler esta carta, volte para casa. Ou, se ainda não se sentir à vontade, me escreva explicando o que está acontecendo. Vou tentar entender, prometo. Já está claro para mim que você precisa de mais liberdade, e é justo, eu e seus filhos vamos tentar sobrecarregá-lo o mínimo possível”. (Posição 144)

Vanda, assim como a protagonista de Dias de abandono, passa pelas várias fases da separação, só que de maneira menos clara e intensa. A busca pelo motivo, a revolta, as chantagens emocionais, a vingança, a depressão estão todas lá, até finalmente chegar à aceitação:

“Nossa separação foi de fato sacramentada pelo registro civil e pela declaração de custódia que você assinou. Não vejo urgência para outras iniciativas.
Recebo pontualmente o dinheito que você me manda, embora eu nunca tenha pedido nada, nem para mim nem para meus filhos”. (Posição 312)

 A segunda parte (a mais extensa) é narrada pelo próprio Aldo e começa décadas depois do momento em que ele deixara a família. Aos 72 anos, Aldo está prestes a sair de férias em uma viagem à praia com Vanda, com quem convive há 52 anos. Na mesma casa, vive ainda o gato Labes. Os filhos têm suas próprias vidas: Sandro teve vários relacionamentos que resultaram em quatro filhos e Anna não se casou. Ambos também foram viajar, o primeiro para visitar os sogros na Provença e a outra para as ilhas gregas.

No entanto, quando retorna à casa, o casal percebe que tudo está fora do lugar e o gato desaparecera. Abalados, Aldo sugere que Vanda descanse enquanto ele arruma a bagunça. É durante esse processo que ele revê parte da sua vida: alguns escritos da época em que era um autor televisivo de sucesso, livros com marcações que já não lhe diziam nada, fotos que lhe lembraram a época em que conhecera Vanda e por fim, as cartas que ela escrevera quando se separaram:

“As cartas conservavam os vestígios de uma dor tão forte que, se liberada, poderia atravessar o cômodo, se espalhar pela sala, irromper além das portas fechadas e voltar a se apossar de Vanda, sacudindo-a e arrancando-a do sono, impelindo-a a gritar ou cantar até explodir”. (Posição 745)

Temendo ressucitar os fantasmas do passado, Aldo se livra das cartas para que Vanda não as veja. Aproveita também para verificar se o cubo azul que comprara em Praga permanece em seu escritório, pois em seu interior, ele escondia alguns de seus segredos.

Há várias perguntas que o autor lança ao longo da narrativa: o que havia dentro do cubo? quem invadiu a casa? onde fora parar o gato? A terceira parte, narrada pela filha do casal procura responder todas as questões e entender o relacionamento dos pais. E percebemos que mesmo com o retorno de Aldo, as consequências daquele ato influenciaram a vida de todos e permaneceram até o presente.

O livro fala sobre família, casamento, separação, traumas, amor, solidão e a passagem do tempo. É uma prosa leve e de leitura rápida, mas que não tem o efeito dilacerante da escrita de Ferrante. Talvez porque a protagonista de Dias de abandono não tivera medo de se expor, de revelar sua insanidade e sua fragilidade, o que não ocorreu com Aldo. Ele tem dificuldade de admitir seus sentimentos: desde o amor por Lídia até de uma certa culpa, que nunca é assumida, colocando a traição como fruto da época de liberação sexual e questionamento das tradições:

“De modo que em pouco tempo, embora eu tivesse uma forte relação com minha mulher e as duas crianças, sofri o fascínio de modos de vida que rompiam programaticamente todos os laços tradicionais.”  (Posição 777)

Ou:

“Eu tinha ficado com outra, eu estava com outra, eu estou com outra eram frases que exprimiam liberdade, e não culpa”. (Posição 788)

Aldo nunca conseguiu romper os laços, só conseguiu afrouxá-los, mas será que isso seria suficiente para segurar os sapatos enquanto caminhava? A capa da edição americana (veja abaixo) mostra a possível dificuldade.

Laços

 

Laços
Lacci
Domenico Starnone
São Paulo: Todavia, 2017.
137 páginas (E-book)

 

 

Ties

 

Ties
Europa Editions, 2017.

A desmedida espera(nça)

Considerado um clássico da literatura italiana, o livro O deserto dos tártaros, do escritor Dino Buzzati, obteve reconhecimento logo que foi lançado, em 1940. De lá para cá, a obra continua conquistando elogios e vem deixando marcas naqueles que a leem. Um dos motivos talvez seja o talento do autor de nos levar através de seus personagens a refletir sobre nossas próprias vidas, sob vários aspectos: passagem do tempo, força do hábito, missão de vida, pertencimento, esperança, escolhas e o momento da virada (quando há). Temas que parecem mais atuais do que nunca.

Na trama, Giovanni Drogo acaba de se formar na academia militar e é convocado para servir no forte Bastiani. O jovem tenente esperara por aquele momento, considerando-o como “o começo de sua verdadeira vida”. No entanto, durante a longa viagem para chegar ao forte, localizado na fronteira ao norte, ele conhece o capitão Ortiz, que lhe diminui as expectativas, dizendo que o forte não servia para nada; estava em um local isolado, entre uma fronteira que não dava problemas e um deserto, conhecido por deserto dos tártaros, pois segundo rumores, no passado estes haviam travado uma guerra lá.

Chegando ao forte, suas impressões só pioraram e Drogo decide retornar imediatamente para a cidade. O major Matti, porém, convence-o de ficar por pelo menos quatro meses, quando haverá um exame médico e ele poderá alegar problemas de saúde para ser transferido. E o que seriam quatro meses para quem tem uma vida inteira pela frente?

“Até então ele passara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que na meninice parece infinita, onde os anos escoam lentos e com passo leve, tanto que ninguém nota a sua passagem. Caminha-se placidamente, olhando com curiosidade ao redor, não há necessidade de se apressar, ninguém empurra por trás e ninguém espera, também os companheiros procedem sem preocupações, detendo-se frequentemente para brincar. Das casas, à porta, a gente grande cumprimenta-se benigna e aponta para o horizonte com sorrisos de cumplicidade; assim o coração começa a bater por heroicos e suaves desejos, saboreia-se a véspera das coisas maravilhosas que aguardam mais adiante; ainda não se veem, não, mas é certo, absolutamente certo, que um dia chegaremos a elas.” (p.38)

Alertado desde o princípio para que não esperasse até que fosse tarde demais para partir, Giovanni Drogo acaba preso ao cotidiano do forte: os turnos da guarda, as regras, a convivência com os colegas, as partidas de xadrez, a mesa farta, as moças da taverna.  Da mesma forma que os demais, ele agora consumia suas horas esperando pela chegada dos tártaros, na esperança de que trouxessem glória ao forte e a seus ocupantes.

“Saboreava com orgulho sua decisão de ficar, o amargo gosto de abandonar as pequenas e certas alegrias por um grande bem a longo e incerto prazo (e talvez houvesse por trás disso o pensamento consolador de que estaria sempre em tempo de partir).
Um pressentimento – ou era apenas uma esperança? – de coisas nobres e grandes fizera-o permanecer ali, mas podia também ser apenas um adiamento, e nada, no fundo, ficava prejudicado. Ele tinha muito tempo à frente”
O bom da vida parecia estar à sua espera. Que necessidade havia de apressar-se?”. (p.58)

Mas o tempo não espera ninguém. Dessa forma, os dias rapidamente viraram meses que viraram anos. E quando ele se dera conta, havia passado uma vida.

“Mas a uma certa altura, quase instintivamente, vira-se para trás e vê-se que uma porta foi trancada às nossas costas, fechando o caminho de volta. Então sente-se que alguma coisa mudou, o sol não parece mais imóvel, desloca-se rápido, infelizmente, não dá tempo de olhá-lo, pois já se precipita nos confins do horizonte, percebe-se que as nuvens não estão mais estagnadas nos golfos azuis do céu, fogem, amontoando-se umas sobre as outras, tamanha é sua afoiteza; compreende-se que o tempo passa e que a estrada, um dia, deverá inevitavelmente acabar”. (p.39)

O autor cria um tipo de jogo, fazendo-nos acreditar que tudo pode acontecer para depois nos mostrar a realidade. As questões filosóficas estão por toda a narrativa, mas de forma leve, com metáforas, objetividade e imagens poéticas.

A ideia do livro surgiu enquanto Buzzati trabalhava como jornalista. Na citação, presente na apresentação escrita pelo cineasta Ugo Giorgetti, o autor revela:

“De 1933 a 1939 trabalhei no Corriere della Sera no período noturno. Era um trabalho monótono e aborrecido, e os meses passavam, e passavam os anos e eu me perguntava se seria sempre assim, se as esperanças, os sonhos, inevitáveis quando se é jovem, iriam se atrofiar pouco a pouco, se a grande ocasião viria ou não”.

A história, inicialmente transportada da redação de um jornal para um forte militar, poderia se encaixar em várias situações do nosso cotidiano, o que faz com que seja uma história sobre todos nós. E isso nos leva à pergunta: será que da mesma forma que Giovanni Drogo não estamos estagnados, presos ao nosso cotidiano, também à espera da chegada dos tártaros?

O deserto dos tártaros

O deserto dos tártaros
Il deserto dei tartari
Dino Buzzati
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017
176 páginas

Páginas imantadas

Magnetismo. Esse poder dos ímãs para atrair objetos eu senti saindo das páginas de Dias de Abandono, da escritora italiana Elena Ferrante. Meus olhos simplesmente não queriam deixar o livro enquanto a história não chegasse ao fim. Mas de onde vem tal poder?

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