Minha vida de leitora

Neste período, tenho o costume de fazer um balanço de como foi meu ano e, claro, minhas leituras não fogem a essa regra. Quantos livros consegui finalizar, quantos abandonei pelo caminho, quais metas deixei de cumprir, que leituras me surpreenderam, o que não gostei, quais autores descobri são algumas das questões que vão passando pela minha cabeça enquanto penso no que quero fazer, literariamente falando, no próximo ano.

Por coincidência, minha mais recente leitura veio ao encontro de tais pensamentos, o que me levou a refletir sobre meu papel como leitora também. O livro responsável foi O gato que amava livros, do escritor japonês, Sosuke Natsukawa.

Esta novela narra a história de Rintaro Natsuki – um jovem introvertido que se vê como um hikikomori (termo usado para designar pessoas que abandonam o convívio social no Japão, vivendo isoladas em suas casas) –, que às vésperas do Natal tem sua vida mudada, após a morte do avô. Órfão, Rintaro deve morar com uma tia distante e por isso terá de deixar para trás a Livraria Natsuki, especializada em obras raras e antigas, que era cuidada pelo avô dele com tanto carinho.

A livraria também é o local favorito de Rintaro, onde ele passara a vida lendo, e é lá que, enquanto organiza os livros para vender, Rintaro conhece Tigre, o gato malhado que o convencerá a ajudá-lo em sua missão de salvar livros. É bom deixar claro que se trata de uma fantasia, então teremos um gato falante, paredes falsas que se abrem para labirintos, além de situações peculiares. No entanto, por trás dessa história singela sobre o poder dos livros,  encontra-se uma crítica, mesmo que sutil, ao mercado editorial, ao academicismo e ao consumo de livros.

No primeiro desafio, Rintaro terá que enfrentar um aprisionador de livros, um homem cujo amor pelos livros faz com que ele os leia compulsivamente, e os tranque em caixas após concluí-los; no segundo, o garoto terá de enfrentar o mutilador de livros, que corta as palavras para que reste somente uma frase resumida e acessível a todos; o terceiro tem como figura central o presidente de uma grande editora, que publica somente o que faz sucesso entre os leitores, o que geralmente envolve pornografia, violência extrema e autoajuda. Cada um dos personagens desses labirintos é bem exagerado, mas eles trazem verdades que fazem parte do universo dos leitores.

O aprisionador ironicamente é aprisionado pelos livros, uma vez que vive ocupado, para poder cumprir sua meta de ler 100 livros por mês:

“– O mundo está cheio de ‘leitores’ – continuou o homem –, mas uma pessoa na minha posição deve ler  muito mais livros do que o leitor comum. Alguém que já leu vinte mil livros é muito mais valioso do que alguém que leu apenas dez mil. Portanto, por que eu releria o mesmo livro se ainda há pilhas dos que precisam ser lidos? Fora de cogitação! Uma perda de tempo ridícula!” (p. 48)

O mutilador de livros, na verdade, se vê como um salvador, que proporcionará o acesso a milhares de livros a pessoas que não conseguem ter tempo para ler:

“ – Se as histórias não forem lidas, elas vão desaparecer. Só estou dando uma mão para ajudar a mantê-las vivas. Eu as resumo. Ofereço uma forma de leitura mais rápida. Assim, as histórias perdidas podem deixar sua marca nos dias atuais e, ao mesmo tempo, as pessoas que querem se envolver com alguma dessas histórias, mas só têm certo tempo de sobra, podem fazê-lo”. (p. 100)

Por fim, o vendedor de livros obedece às regras do mercado, jogando a culpa nos próprios leitores que não se interessam por certos tipos de livros:

“… Aqui, na maior editora do mundo, não publicamos livros para informar ou ensinar as pessoas. Produzimos os livros que a sociedade quer. Não nos importamos com questões como mensagens que precisam ser transmitidas, ou filosofia que precisa ser passada para a geração seguinte. Não nos importamos com qualquer realidade dura ou verdades difíceis. A sociedade não está interessada em coisas assim. Os editores não precisam se preocupar com o que deveriam dizer ao mundo; precisam entender o que o mundo quer ouvir”. (p. 153)

Em cada uma dessas aventuras, somos levados pelo autor a pensar em nossa própria condição de leitor, suscitando questões como qualidade de leitura versus quantidade; releituras em detrimento de novas leituras; ou a validade de resumos de clássicos, o que para mim gera uma certa desconfiança de como as emoções que nos afligem durante leituras de obras como O deserto dos tártaros ou O velho e o mar, por exemplo, seriam transmitidas se ficássemos presos ao seu enredo apenas?

Natsukawa pode não oferecer uma resposta a cada um desses questionamentos, mas, por meio de Rintaro, esse jovem que ama os livros, deixa uma mensagem válida, mostrando qual a verdadeira finalidade dos livros. E que, por sinal, garantem a sua existência:

“Mesmo se você tentar destruir um livro, ele não desaparece assim tão fácil. Agora mesmo, em lugares do mundo todo, as pessoas estão ligadas a eles. O fato de você estar aqui comigo agora á a maior prova disso”. (p. 214)

Desejo a todos que me acompanham nesta minha jornada entre os livros, um 2023 com muita saúde, prosperidade, alegria e ótimas leituras! Feliz 2023!

O gato que amava livros
Sosuke Natsukawa
Titulo original japonês: Hon o mamoroutosuru neko no hanashi
Título original inglês: The cat who saved books
Tradutora: Fernanda Dias
São Paulo: Planeta do Brasil, 2022.
240 páginas