Você é o personagem principal deste livro!

Essa já seria uma boa razão para ler Como ficar podre de rico na Ásia emergente. A narração na segunda pessoa, não muito comum em obras de ficção, atesta a qualidade do autor que, de forma inteligente e criativa, insere o leitor na história.

Aqui “você”, cujo nome não é revelado, é um garoto pobre da zona rural de um país (também não identificado), que transpõe diversas barreiras até tornar-se um rico distribuidor de água. Da infância à velhice, essa trajetória é contada de forma brilhante por Mohsin Hamid, que usa a estrutura dos livros de autoajuda ao mesmo tempo que parodia o gênero.

Cada um dos doze capítulos começa com um título que dá a ideia de uma lição vivenciada pelo protagonista: “Mude-se para a cidade grande”, “Consiga um diploma”, “Aprenda com um mestre”. O discurso motivacional continua nos primeiros parágrafos, mas sempre com uma fina ironia ao que está sendo dito:

“E quanto àqueles outros romances que, por causa da trama, da linguagem, da sagacidade ou das cenas frequentes, gratuitas e explícitas de sexo, você realmente aprecia e lê com avidez, saboreando cada página? Com certeza esses também são uma versão de livros de autoajuda. No mínimo, eles ajudam você a passar o tempo, e o tempo é a substância de que uma pessoa é feita”. (p.18)

Ou ainda:

“Muitos livros de autoajuda oferecem conselhos sobre como se apaixonar ou, mais exatamente, sobre como fazer o objeto do seu desejo se apaixonar por você. Para ser absolutamente franco, esclareço desde já que este não é um desses livros de autoajuda. Porque no que se refere a ficar rico, o amor pode ser um entrave. Sim, a busca do amor e a busca da riqueza têm muito em comum. Ambas têm o potencial de inspirar, motivar, entusiasmar e matar”. (p.31)

A história do protagonista aparece na sequência, e então uma realidade fictícia, inspirada provavelmente no Paquistão (país de origem do autor), conquista sua universalidade ao retratar pobreza, corrupção, diferenças sociais, crescimento urbano desordenado, dificuldade de acesso à educação e violência, temas presentes no cotidiano dos países emergentes. Assim, deixando de lado algumas especificidades, você realmente pensará que esse país é o Brasil e o protagonista: você.

Com assuntos tão densos e ásperos, seria natural que a leitura ficasse menos fluida, o que não acontece graças ao humor e à ironia utilizados por Hamid. Ao narrar o trabalho insalubre do irmão mais velho do protagonista − um assistente de pintor −, temos um exemplo da habilidade do autor:

“O trabalho de seu irmão se parece em alguns aspectos com o de um astronauta ou, sendo ligeiramente mais prosaico, com o de um mergulhador. É uma atividade que também envolve assobios de ar, sensação de não ter peso, náuseas e dores de cabeça súbitas provocadas pela pressão, a precariedade resultante da fusão de um ser orgânico com uma máquina. Por outro lado, um astronauta e um mergulhador veem inimagináveis mundos novos, enquanto seu irmão só vê uma névoa monocromática de intensidade variável”. (p. 28)

Também não faltam temas mais ternos, mas nem de longe menos complexos: o amor nutrido desde a juventude pela “menina bonita” (neste livro sem nomes próprios é assim que ela é chamada), a admiração pelo filho, o relacionamento com os pais e irmãos, além de divagações sobre a velhice, a morte e o próprio ato de ler:

“Todos somos refugiados de nossa infância. E por isso recorremos, entre outras coisas, às histórias. Escrever uma história, ler uma história, é ser um refugiado do estado de refugiados. Escritores e leitores buscam uma solução para o problema de que o tempo passa, de que aqueles que se foram, se foram, e de que aqueles que ainda se vão, o que quer dizer nós todos, se vão. Pois havia um momento em que tudo era possível. E haverá um momento em que nada será possível. Mas entre um momento e outro, nós podemos criar”.(p. 163)

 Ao chegar ao final do livro, é mais certo que você não conseguirá ficar rico na Ásia emergente. Ainda assim, ficará satisfeito por ter “participado” dessa história.

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Como ficar podre de rico na Ásia emergente
How to get filthy rich in rising Asia
Mohsin Hamid
São Paulo: Companhia das Letras, 2014
176 páginas

2 comentários sobre “Você é o personagem principal deste livro!

  1. Paty, o tema exposto é totalmente novo e surpreendente! Explicação clara, trechos chaves muito bem colocados para fazer o leitor compreender a temática do livro. Obrigada por dividi-lo conosco… Sucesso!

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